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Territórios negros – Núcleo Educativo

Na exposição “Migrar: experiências, memórias e identidades”, há uma sala onde são apresentados quatro bairros de São Paulo que possuem uma forte presença migrante – Brás, Bom Retiro, Mooca e Santo Amaro – junto de suas respectivas contribuições culturais para a cidade.
Existem outros bairros que hoje são conhecidos por essa memória, mas que também tiveram, no seu processo de criação, uma participação negra significativa. Ao caminhar pela cidade, notamos as marcas de um passado invisibilizado e submerso, que se faz presente por meio de elementos simbólicos e de narrativas orais. Ter um olhar crítico nos possibilita perceber novos pontos de vista.
Nesse sentido, o Núcleo Educativo do MI realiza até o dia 26 de novembro, sempre aos sábados e domingos das 11h às 12h, uma visita temática na exposição de longa duração com o objetivo de abordar a identidade negra na cidade de São Paulo nos seus aspectos arquitetônicos, sociais, históricos e culturais.
E para refletir sobre essas presenças e ausências no Dia da Consciência Negra, o Blog do CPPR lista alguns bairros da cidade de São Paulo onde essa memória pode ser discutida:
Liberdade
Quem caminha pela Praça da Liberdade não imagina que este espaço foi palco de horror e barbárie a céu aberto. Ali, localizava-se o Pelourinho e o antigo Largo da Forca, onde escravos e pessoas condenadas à pena de morte eram executadas.
No mesmo bairro, a Igreja da Boa Morte era considerada uma passagem obrigatória para os condenados à forca. Ao passarem por ela, os infratores clamavam por uma boa morte. Quais são os símbolos que estão por trás da ideia do “bem morrer”? Como diferentes crenças religiosas lidam com a morte?
Bixiga
“Bexiga ou Bixiga?” Muito se discute sobre a grafia do nome pelo qual ficou conhecida uma parte do bairro Bela Vista; conhecido como reduto italiano, foi também palco de uma das primeiras concentrações da comunidade negra na cidade de São Paulo. Antes quilombo, local de fuga e resistência, tornou-se um ponto estratégico por sua proximidade tanto do centro da cidade quanto da avenida Paulista, local ocupado pelas elites cafeicultoras. Com a chegada dos italianos essa memória foi se mesclando e sendo substituída, mas ela ainda pode ser vista em alguns pontos, como na presença da escola de samba da Vai-vai, nos nomes das ruas, como a Treze de maio e Abolição, além do córrego Saracura, onde hoje passa a avenida 9 de julho.
A música “Vai no Bixiga pra ver”, do compositor Geraldo Filme, fala sobre os processos de apagamento da comunidade negra no bairro. Você pode escutar essa música na sala “Bom Retiro, Mooca, Santo Amaro e Brás”, na exposição de longa duração do Museu da Imigração.
Penha
O bairro da Penha, região de grande importância para a expansão do ciclo do café, era considerado um local de passagem para tropeiros e viajantes que chegavam ou que partiam da São Paulo de Piratininga. A fundação do bairro também está relacionada à construção da igreja Nossa Senhora da Penha de França. Os escravos da região eram proibidos de frequentar as igrejas de seus senhores e, como forma de combate e resistência às regras impostas pelo catolicismo oficial, organizaram-se em irmandades religiosas para poder manifestar a sua religiosidade.
Assim, a igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos foi erguida em 1802, com a arrecadação de dinheiro esmolado pelos escravos. A capela foi construída de costas para as Igrejas da Sé e para a igreja Nossa Senhora da Penha de França, ficando de frente para a periferia.
Barra Funda
Os negros recém-libertos no final do século XIX e início do século XX se concentravam na região do Largo da Banana – onde encontra-se atualmente o Memorial da América Latina – à espera das mercadorias destinadas à venda, que consistiam basicamente em frutas e principalmente bananas, o que deu origem ao nome da região. Rodas de capoeira, jogos de cartas e dados eram as atividades que preenchiam o tempo das pessoas que ali estavam aguardando os produtos vindos do interior. Em 1914 foi fundado o “Grupo Carnavalesco da Barra Funda”, adotando posteriormente o nome “Cordão Camisa Verde”, o primeiro cordão paulista, perseguido em 1939 por Getúlio Vargas por ser confundido com o Partido Integralista. Em 1952 voltam às atividades como “Camisa Verde e Branco”.
República
A República, importante região no comércio paulistano, transforma-se diariamente em uma galeria a céu aberto, com a presença de um grande número de refugiados de várias regiões do continente africano que ali expõem artigos para venda, pelas barracas e lojas das galerias. É uma referência cada vez mais importante para os movimentos de resistência e para a moda afro, com salões de beleza específicos e pontos de encontro para quem chega a São Paulo.
A constituição de territórios negros na cidade continua acontecendo, com novos grupos que chegam e outros tantos que retornam para ocupar esses espaços de resistência. Pensar no Arouche da comunidade nigeriana ou nos haitianos que dão vida ao Glicério são formas de refletir sobre como esse apagamento sempre vem acompanhado, por outro lado, de uma tensão, que é a vontade da permanência.
E em seu bairro? Quais memórias permanecem e quais foram apagadas?
Para saber mais:
ALMON, Pedro. Festa da boa morte: subtítulo do livro. 2 ed. Salvador: IPAC, 2011.
ANDRADE. Arlete Fonseca de. LIBERDADE: Imagem, Apagamentos e Transformações Na Cidade De São Paulo . Revista Científica Semana Acadêmica. Fortaleza, ano 2016, nº. 94, 2016. [Disponível em: ]
DINIZ, Pedro. Imigrantes africanos tomam ruas de SP e revelam diversidade de estilos. Folha de S. Paulo, São Paulo, 21 fev. 2016, Ilustrada. [Disponível em: ]
EIRAS, Natália. Moda afro: no centro de sp ou na internet, a negritude ganha força fashion. UOL Notícias. 03 nov. 2015, Moda. [Disponível em: ]
GUIMARÃES, Laís de Barros Monteiro. Liberdade. v. 16. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, 1979. [Disponível em: ]
IDENTIDADE São Paulo. Penha de França. 2016. [Disponível em: ]
KOGURUMA, Paulo. A saracura: ritmos sociais e temporalidades da metrópole do café (1890-1920). Revista brasileira de história, São Paulo, v.19, n.38, p.111-222, 1999.
OLIVEIRA, Simone Almeida De. Penha de França: onde o rosário nos une: Sobrevivências culturais e transformações do ser e do espaço em uma festa religiosa paulistana. São Paulo: Trabalho de conclusão do curso de pósgraduação em Gestão de Projetos Culturais e Organização de Eventos, 2014.
Portal NippoBrasil. Crueldade marca início do bairro da Liberdade, São Paulo, 12-18 nov. 1999, Arquivo Especial. [Disponível em: ]
SANTOS, Carlos José Ferreira Dos. Nem tudo era italiano: São Paulo e pobreza (1890-1915). 3 ed. São Paulo: Anna Blume, 2008. 196 p.
TAVARES, T. R. Ritual de Passagem: a morte no catolicismo. In: VI Congresso Internacional em Ciências da Religião, 2012, Goiânia. RELIGIÃO, TRANSFORMAÇÕES CULTURAIS E GLOBALIZAÇÃO. Goiânia: Ed. PUC Goiás/América, 2012. p. 95-100. [Disponível em: ]