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(I)Mobilidade nas Américas: reflexões acerca do passado, do presente e das incertezas do futuro migratório
A ocupação feita, aqui no Blog do CPPR pelo projeto "(I)Mobilidade nas Américas", chega à sua última reflexão e, como não poderia deixar de ser, com perguntas, incertezas e algumas respostas.
Os textos produzidos para esse espaço carregam consigo as experiências passadas, os fragmentos do presente e as indagações sobre o futuro que são intrínsecos à tensão entre mobilidade dos migrantes e as suas repercussões desiguais. Assim, trata-se de um conjunto de ideias que, ao mesmo tempo em que se situa em um período muito específico e de contornos alarmantes, aponta para formas em que a historicidade dessa tensão compõe o presente e torna-se uma possibilidade de futuro. A partir da ênfase em ações estatais, depoimentos de migrantes via Mapa Polifônico, ações de solidariedade e luta e acompanhamento de violências diversas, xenofobia, racismo e medo buscou-se desenhar variados desdobramentos concretos desse conflito entre mobilidade e controle no continente e, com mais ênfase, no Brasil.
Em seu texto sobre o Mapa Polifônico, que compõe o projeto, Iréri Ceja refletiu sobre uma parte do seu conteúdo, que conta com mais de mais de 70 testemunhos de migrantes e representantes de entidades de apoio aos migrantes nas Américas. O material apresenta as estratégias de mobilidade e de afeto através de recursos como as redes sociais que, muito além da dimensão estritamente tecnológica, se configuram em instrumentos políticos e de suporte emocional, ao viabilizar contatos entre pessoas separadas por milhares de quilômetros e acesso a informações sobre como e por onde deslocar-se no espaço internacional. Além disso, a autora retratou a complexidade e a multiplicidade das formas de ser migrante, as incertezas e precariedades contidas nesse processo e os impactos do confinamento forçado em situações de vulnerabilidade. Como a própria Iréri descreveu, essas histórias "...mostram o reforço das lógicas de controle e o aprofundamento da precariedade das vidas dos migrantes durante a pandemia, mas, simultaneamente, mostram as estratégias que as pessoas usam para contornar a violência, a exclusão e as desigualdades".
Já o artigo de Gustavo Dias, contou sobre o processo de estigmatização de migrantes, sobretudo brasileiros, ao serem associados como propagadores de vírus ou mesmo como a personificação vírus, em alguns países. Na sua reflexão, foram retomados processos históricos de securitização das fronteiras por motivos sanitários, a rotulação de determinados grupos através da nacionalidade durante a pandemia da COVID-19 e a inscrição dessa estigmatização nos corpos migrantes. Se, no início, a associação feita era entre vírus e população asiática, como referência ao local onde o mesmo havia aparecido, com o aumento dos casos no Brasil e a sua posição de epicentro mundial da pandemia, a estigmatização passou a direcionar-se para os brasileiros que vivem no exterior. Assim, medidas de fechamentos de fronteiras para pessoas oriundas do Brasil compunham com ações de ridicularização e xenofobia, explicitando que a fronteira, em muitos casos, é demarcada no próprio corpo do migrante. Sendo assim, como explicou Gustavo no texto, "...o vírus ganhou uma nacionalidade e, por conseguinte, um corpo. O nosso corpo. Em outras palavras, foi corporificado por aqueles brasileiros que deixam o país em busca de condições melhores de vida".
Em diálogo com a ideia de estigmatização do migrante durante a pandemia, Caio Fernandes descreveu, no seu conteúdo, o processo de construção do medo com relação ao migrante, no Brasil. A partir de uma análise sobre as portarias de fechamento de fronteiras de forma seletiva no país e do seu caráter seletivo, foram levantadas dúvidas se o objetivo era o de combater a pandemia ou a migração internacional. A associação vírus e migrante, portanto, também ocorreu de forma quase instantânea no país e criou um temor ao "estrangeiro", representado na figura do migrante empobrecido e que se desloca através de fronteiras terrestres. A partir de então, as "medidas sanitárias" se voltaram com mais força a alguns grupos e lugares apenas, explicitando uma geografia seletiva do medo. Por outro lado, o texto também buscou compreender quais são os medos dos migrantes durante a pandemia ou, como diz o título, "o que temem aqueles que são temidos?". Assim, temas que transcendem as restrições imediatas do Estado brasileiro surgiram, como: xenofobia, violência física e psicológica contra migrantes LGBTQI+, extorsão em alojamentos, insegurança existencial pelos retrocessos sofridos durante a pandemia, entre outros. Desse modo, como o autor colocou, perguntar aos que frequentemente são temidos o que temem, permite "...identificar os processos de produção do medo, sob quais parâmetros morais se estabelecem, suas geografias desiguais, sua duração, seus agentes de promoção, seus motivos e as redes que buscam tornar visível aqueles que parecem não ter outro papel além daquele de 'ser temido'".
Maria Villarreal colocou ênfase, na sua proposta, para o protagonismo e as lutas migrantes travadas antes, durante e, certamente, depois da pandemia. A autora destacou que, para além das dimensões do controle, da precariedade e da estigmatização, há um horizonte político de reivindicação por direitos, como: o movimento transnacional "Regularização já", que resultou no projeto de Lei "PL 2699/2020", reivindicações pelo direito ao retorno, manifestos pela inserção de informações sobre nacionalidade nos dados sobre a pandemia no Brasil, debates virtuais, caravanas migrantes, entre outros. Nesse sentido, a reflexão chamou a atenção para a dimensão da autonomia dos migrantes, ou seja, no seu protagonismo como sujeitos políticos, ao contrário da visão passiva em que é, não raramente, representado. A busca por novos e melhores sentidos de vida ganha contornos diversos pelos quais os migrantes se organizam, se associam e se rebelam em prol do que se constituiu não somente o direito de migrar, mas ao de uma vida melhor através da migração. Como escreveu Maria no texto, "...as lutas migrantes aqui analisadas mostram que, longe de serem apenas trabalhadores, refugiados ou pessoas em busca de proteção internacional, as pessoas migrantes não permanecem passivas diante das injustiças que motivam o seu deslocamento ou das restrições e controle que condicionam as suas vidas, mas sonham, imaginam e tentam construir um mundo melhor para si mesmos, as suas famílias e as sociedades às quais estão vinculadas".
Por fim, durante toda a ocupação, o objetivo do projeto "(I)Mobilidade nas Américas" foi apresentar a complexidade e os desdobramentos da tensão entre mobilidade x controle e como as suas repercussões são vividas de maneiras múltiplas e desiguais. Em outras palavras, buscou-se cartografar aquilo que, normalmente, fica de fora das representações do mundo e apaga formas de existência humana. Como argumentam Soledad Álvarez Velasco, Ulla Berg e María Mercedes Eguiguren, no texto em que relatam a dimensão pedagógica do projeto: "Os diversos elementos que compõem o projeto de pesquisa social digital, transnacional e trilíngue (Imobilidade nas Américas e COVID-19) fazem dele uma contribuição direta para o campo das humanidades digitais latino-americanas". E, seguindo essa perspectiva, a ocupação do projeto no Blog do CPPR tornou-se um espaço fundamental de produção e difusão das "humanidades digitais", tanto no âmbito da divulgação do projeto, mas, em especial, permitindo que a migração nas Américas nos tempos de pandemia pudesse ser contada de muitas e diferentes formas.
Equipe Brasil do projeto "(I)Mobilidade nas Américas".
Os artigos publicados na série Mobilidade Humana e Coronavírus não traduzem necessariamente a opinião do Museu da Imigração do Estado de São Paulo. A disponibilização de textos autorais faz parte do nosso comprometimento com a abertura ao debate e a construção de diálogos referentes ao fenômeno migratório na contemporaneidade.
Crédito foto da chamada: Katie Moum via Unsplash. | Conta com tarja preta, no canto inferior esquerdo, escrito Ocupação "I (MOBILIDADE) NAS AMÉRICAS" em branco.
A ocupação "(I) Mobilidade nas Américas" é uma iniciativa que surgiu da parceria entre Museu da Imigração e o projeto de pesquisa regional "(In) Mobilidade nas Américas e COVID-19" para divulgação de artigos inéditos, escritos especialmente para esse espaço. O site do projeto de pesquisa, com todos os textos e materiais multimídia, pode ser consultado neste link. Dando continuidade à proposta desenvolvida na série "Mobilidade Humana e Coronavírus", seguiremos debatendo e refletindo sobre os impactos da pandemia para as migrações e demais mobilidades.