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Mulheres e Migração: a presença feminina no acervo iconográfico do Museu da Imigração
Para além dos registros de matrícula e documentos referentes à passagem de migrantes pela antiga Hospedaria do Brás, o acervo digital do Museu da Imigração guarda tesouros pouco explorados, como a sua coleção iconográfica, coletada e organizada em conjunto com o Arquivo Público do Estado de São Paulo.
Em grande parte digitalizada, essa coleção é bastante vasta e retrata desde vistas da Hospedaria e os seus arredores até cenas cotidianas passadas dentro e fora da instituição, como momentos familiares, retratos pessoais e aspectos da vida urbana e do cotidiano no campo. As fotografias são documentos históricos valiosos, que nos permitem perceber as mudanças e permanências nos espaços e contextos e na vida dos indivíduos, bem como detalhes e informações podem não ser captados em textos.
No caso de uma história das mulheres, o material é ainda mais precioso, uma vez que registros escritos costumam apresentar uma visão oficial dos fatos e acabam privilegiando, portanto, o olhar ou, até mesmo, a ação dos homens, invisibilizando a presença feminina e as suas questões particulares.
Ao explorar as fotos que retratam mulheres, dentro dessa coleção, percebemos a sua presença em espaços fundamentais no estudo dos deslocamentos humanos. As imagens possuem poucas informações e datas imprecisas, pertencendo em sua maioria às décadas próximas da metade do século XX. As mulheres estão presentes em toda parte: nas cenas urbanas, retratando fachadas de lojas e passeios na cidade; em retratos realizados em estúdios fotográficos ou em casa, no acolhimento da Hospedaria e os seus diversos momentos e em cenas campestres da vida cotidiana no interior.
Nelas, é possível observar não só questões ligadas às suas vidas privadas, mas também a importância da força de trabalho feminina, do seu poder como mercado consumidor ou como cuidadoras – seja do próprio lar ou de outras pessoas –, sendo que muitas vezes tais aspectos são ocultados por registros textuais.
Na Hospedaria, por exemplo, a representação feminina é evidenciada em algumas imagens que apresentam mulheres trabalhando em alguns dos seus espaços, como enfermaria e berçário – não por acaso, profissões ligadas ao cuidado, historicamente associado ao ser feminino.
A sua ausência nas cozinhas da instituição nos aponta para a tendência que até hoje é visível no universo da culinária: se no ambiente doméstico as mulheres são responsáveis pelo preparo da comida e pelo planejamento alimentar, nos espaços profissionais ligados à gastronomia, os cargos geralmente são ocupados por homens.
Em fotos familiares ou de grupos de migrantes, elas também aparecem com frequência. Se os homens são apresentados, quando sozinhos, reunidos com outros adultos, ou em momentos de burocracia, as mulheres são mostradas frequentemente cuidando dos seus filhos, nas dependências do edifício.
Nesse mesmo contexto, mas para além do espaço físico da Hospedaria, o acervo iconográfico também traz algumas imagens de mulheres operárias. A presença feminina no mercado de trabalho fabril já foi alvo de estudos históricos e a sua visibilidade tem aumentado e se relacionado cada vez mais com a história dos movimentos migratórios. O próprio Dia Internacional da Mulher, celebrado em 08 de março, é uma data comemorativa que nasce em torno da luta por direitos das mulheres e o seu engajamento político, ligada à história do operariado. Sabemos que, após a Revolução Industrial, as mulheres passaram a trabalhar junto aos homens em diversos postos e acumular inúmeras jornadas de trabalho, somando as tarefas fora e dentro de casa – situação que se perpetua até a atualidade.
Outra categoria bastante numerosa de fotografias dessa coleção diz respeito às cenas familiares privadas, onde mulheres são retratadas de forma casual e nas quais podemos analisar as suas ocupações e os seus espaços de circulação, bem como vestimentas, constituição familiar e muitos outros elementos.
Na maioria delas não é possível saber a origem das figuras retratadas, se são estrangeiras ou descendentes, por exemplo, mas testemunham de forma bastante interessante uma configuração social específica, que se constituiu no estado de São Paulo após o período da Grande Imigração. São, ainda, fotos parecidas com aquelas que a maioria de nós possui, guardadas em caixas de sapato, como herança de nossas mães, avós e bisavós – transmitidas e conservadas, tantas vezes, por mulheres, guardiãs de memórias familiares e os seus pequenos tesouros domésticos.
Os retratos, por sua vez, também são numerosos. Algumas fotografias de passaportes e outras tantas posadas, provavelmente com o intuito de um registro familiar a ser preservado, ou oferecido como lembrança para parentes e amigos, possivelmente a serem enviadas para os seus países de origem e afetos distantes. Algumas apresentam vestimentas tradicionais, materializando na imagem um pouco das suas próprias culturas.
Realizamos aqui um breve panorama da representação de mulheres nas fotografias do nosso acervo iconográfico. Desde 2020, a série "Desvendando Fotografias", apresentada nas redes sociais do Museu da Imigração, também tem o objetivo de dar visibilidade a essa coleção – confira por lá mais rostos e cenas de mulheres (mas não só!) na história das migrações.